As promoções brasileiras possuem algo de especial e único em
seu âmago. Elas te observam dia após dia, te encaram pacientemente, te estudam
e testam a sua psique.
Acordei com a sensação de que hoje tudo poderia mudar. O sol
estava mais intenso, o céu mais límpido e todos estavam com o velho sorriso
americano estampado no rosto, era a black friday.
Não que tivesse urgentemente precisando de roupas de grife
ou que não conseguisse viver por mais alguns dias sem os avanços tecnológicos
do mundo de Obama, todavia, algo me dizia que o iPhone 3GS finalmente ocuparia
melhor o meu tempo no banheiro, por sinal, único tempo que disponho para jogar,
baixar aplicativos, ver o facebook e postar alguma foto no Instagram.
Sem palavras para expressar a minha angústia existencial,
caminho rapidamente em direção à casa da felicidade: o shopping. Ao chegar, me
deparo com filas extensas, pessoas efusivas e preços não tão baratos. Começo a
questionar a desvirtuação de algo tão sublime e importante quanto a black
friday. Os preços não caíram tanto, exceto o meu respeito pelo comércio
brasileiro.
Revoltado, chateado e decepcionado. Ainda que tivesse armado
uma tenda na loja mais distante da entrada dias antes do evento, provavelmente
não teria sido o único. O que fazer, então? Resolvo postar minha indignação.
Certamente não irá resolver nada, mas ao menos atualizarei meu status, ganharei
alguns ”likes” e com um pouco de sorte, algumas almas irão compartilhar meus
desabafos.
Resignado, aguardo. Espero durante horas quando finalmente
consigo ser atendido.
-Bom dia, senhor! Em que posso ajudá-lo?
-Bom dia. Gostaria de um pouco de água, estou exausto.
Olho despretensiosamente para a fila. Por alguns súbitos
minutos tenho a estranha sensação de estar dentro de um hospital público,
prestes a ser operado. Olhares aflitos, indignação e desmedida impaciência
tomam conta de todo o lugar.
-Senhor, o que deseja?
Não conseguia dizer uma palavra se quer. Não sabia o que
desejava. Sabia que desejava, apenas.
Disfarçadamente olho para alguns produtos. Procurava algo
útil, que justificasse tanto tempo de espera, cansaço e descontentamento. Nada
parecia valer toda a má sorte do dia.
Pressionado pelas feições da vendedora, que implicitamente
me intimidava com seus olhares de mulher diligente e impaciente, solicito uma
parafernália qualquer e pago o preço do produto.
Durante o retorno para casa, tento me convencer de que agi
corretamente. Algo novo irá por alguns dias prender a minha atenção e então...
(reflito)